domingo, 21 de fevereiro de 2010

Diário de bordo em verso

Autor: Alcino Augusto Carneiro
Edição sem fins lucrativos: Quito Arantes
Capa: Carla Arantes
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Tel/Fax: 251466044
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Barcelos, 01 de Março de 2010
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Diário de bordo em verso



































Circum-navegação da fragata Afonso de Albuquerque
(1 de Outubro de 1942 a 31 de Março de 1943)


Alcino Augusto Carneiro



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Amigo leitor:

Os versos que vais ler foram por mim escritos e com enorme gratidão dedicados à nossa Marinha de Guerra.
Marinha de tão largas tradições, que há tantos séculos atrás, por mares nunca dantes navegados, deu novos mundos ao mundo.
Vestidos de farda azul, cor do mar e dos céus, ou branca de cor da neve, por Ela foram levados, através dos tempos, milhares de rapazes como eu, aos quatro cantos da terra, dando-lhes a oportunidade de poderem ver e conhecer novos mundos, novas gentes, o que se assim não fora, doutro modo não lhes seria possível.
Dedico todo este meu trabalho à briosa guarnição, que serviu o Afonso Albuquerque nos anos de 1942 a 1945, e que em plena 2ª Guerra Mundial, se fez ao mar, sob a comando do então Capitão-de-mar-e-guerra, José António Guerreiro de Brito, correndo o risco de se perder e com ele perderem a vida todas as praças da tripulação que lhe foram confiadas, conseguiu no decorrer de seis meses (1 de Outubro de 1942 a 31 de Março de 1945) vencer os enormes perigos a que a guerra nos submeteu dando uma completa e triunfante volta ao mundo.
A todos os oficiais, sargentos e praças que comigo navegaram nesta grandiosa aventura, recordo com uma lágrima de eterna saudade.
Dotado de uma instrução primária mal feita, vos peço desculpas de qualquer erro ou gralha, que involuntariamente vos apareça.
Com enorme vontade de vos servir vos agradeço:

O autor
Alcino Augusto Carneiro




Amigos leitores vos peço
Uns minutos de atenção
Para lerdes e apreciardes
Os versos que tendes à mão

Prometo neles vos contar
Neste conto verdadeiro
As peripécias que se passam
Na vida de um marinheiro

Muito tinha que contar
Contando a história a rigor
Mas prometo resumi-la
Para vos não ser maçador

A alegria mais profunda
Que tive em meu coração
Foi dia vinte de Agosto
Dia da minha inspecção

Foi um prazer sem limites
Para mim ficar apurado
Não chegaria a ser Homem
Se não fosse um dia soldado




Foi na escola de Macedo
Da qual o portão entrei
No salão das inspecções
À junta me apresentei

Inspeccionado a rigor
Dos pés até à cabeça
Para impedir de ser tropa
Não há razão que apareça

Cumpridos os requisitos
Correctamente inspeccionado
Deram-me por decisão
A ressalva de apurado

Da leitura que continha
Em certa linha dizia
Alcino estás apurado
Para a arma de artilharia

Mandaram formar na sala
Em formatura a preceito
E com breve palavreado
Estender o braço direito




Em correcta posição
Dar o sagrado juramento
Nossa Pátria defender
A toda a hora e momento

No fim de tal cerimónia
Diz de lá o nosso tenente
- Quem quiser vir para a Marinha
Que dê um passo em frente

Desloquei-me do lugar
Eu e outro camarada
Para darmos o nosso nome
Voluntários para a Armada

Dia trinta de Novembro
Novas ordens recebia
Deixava de pertencer
À arma de Artilharia

No dia de seis de Janeiro
Me mandam apresentar
Era o corpo de Marinheiros
Que por mim estava a chamar




A cinco do mesmo mês
A minha terra deixei
Com a minha sacola às costas
Mais orgulhoso que um Rei

Antes de ir mais p´ra frente
Não deixo aqui de lembrar
Um pedido de meus pais
Que por mim ficaram a chorar

- Olha filho, ao avistares
A Sr.ª da Assunção
Reza-lhe uma Avé-Maria
Pede-lhe a sua protecção

- Pediste para ser marinheiro
Decerto vais navegar
Que seja tua companheira
Nas ondas do alto mar

Da estação a caminho
Com a marcha que eu levava
Até dava impressão
Que não corria mas voava




Às nove e quarenta e cinco
Deu o comboio a partida
Novo mundo me aparece
De paisagem desconhecida

Os sobreirais do Romeu
Essa paisagem tão bela
A escola de Carvalhais
E a ponte de Mirandela

O comboio sempre em marcha
Passa Frechas e o Cachão
De novo ali me lembrei
Da Senhora da Assunção

O rio Tua correndo
Por entre penedos sombrios
A linda ponte de Abreiro
Meus olhos deixou vazios

Os meus olhos não se cansam
De ver o mundo imenso
Brunheda e Codeçais
As caldas de S. Lourenço




No Tua mais orgulhoso
Que o conde de Marialva
Quando entrei no comboio
Que vinha de Barca d´Alva

Admiro o rio Douro
De beleza natural
Berço do vinho do Porto
De fama universal

De rumo virado ao sul
Por alturas do Pinhão
Sinto nos pés o efeito
Das nevadas do Marão

A Régua nos parece
Cheia de encantos e beleza
Na opinião dos poetas
Do Douro é a princesa

Eram seis da tarde
Chegou o comboio ao Porto
Vendo que ali não parava
Onde irá parar o meu corpo?




Apeei em Campanhã
Fiquei muito admirado
A minha terra às escuras
Ali tudo iluminado

Eram tantos os comboios
Na estação de S. Bento
Nunca na vida pensara
Em ver tanto movimento

Às dez e meia da noite
Parte o comboio final
Dando o primeiro arranque
Com destino à capital

Foi uma noite de vela
Lá dentro ninguém dormia
Com a escuridão da noite
Lá fora nada se via

Ao romper de bela Aurora
Batendo o dente com frio
Fez o comboio a passagem
Na estação do Rossio




De novo peguei no saco
E lá marcha o animal
Mais direitinho que um fuso
Às portas do arsenal

Logo que o portão abriu
Alguém me mandou entrar
Para seguir para o Alfeite
Ir para o cais embarcar

Embarcados na vedeta
Eu e os meus companheiros
Por ela fomos levados
Ao Corpo dos Marinheiros

Nova inspecção me esperava
E por ser mais rigorosa
Não há nada que me impeça
De poder servir a Briosa

Da sala saio a correr
Com um papelinho na mão
Para me ir apresentar
Ao chefe da arrecadação




Mandou-me conferir a roupa
Da cama e do fardamento
Para ser um galã por fora
E um farrapilho por dentro

Juntei a fatiota toda
Deitei a trouxa ao ombro
Ia mesmo como um burro
Com a carga sobre o lombo

Com aquele bloco maciço
Formado de um peso bruto
Encaminhei-me à caserna
Pelo caminho mais curto

Começo fazendo a cama
Como era meu dever
Daquilo nada sabia
Muito tinha que aprender

As mantas pareciam crivos
Todas furadas dos ratos
Logo me fiz alfaiate
Para remendar os buracos




Mais duras do que um calhau
As cuecas de pano-cru
Deixaram-me em carne viva
As ricas pregas do cu

As calças só numa perna
Cabia todo o corpo
Parecia o João Santo
De calças largas no Porto

Visto a reles camisola
E faço figura triste
Pois camisa nos marinheiros
É coisa que não existe

Por cima vesti a blusa
Que era de uma fina ganga
Sobrava um metro no fundo
Dois palmos em cada manga

Pus o boné na cabeça
Tapou-me logo os ouvidos
Parecia um porta-aviões
Dos Estados Unidos




Peguei na bota esquerda
Fui para lá meter o pé
Parecia uma formiga
Numa Arca de Noé

A direita era tão grande
Chegava na Lua à Terra
Estava o salto na caserna
E a biqueira já na rua

Com os olhos rasos de água
Sentado na beira da cama
Assim dei por terminada
A minha vida à paisana

Quando saí para a rua
Tudo se ria de mim
Parecia um general
Em forma de manequim

À hora da refeição
Às portas do refeitório
Parecia-mos as alminhas
Às portas do Purgatório




Da refeição só vos digo
Valendo poucos patacos
Dava gosto ver comer
Com os talheres dos macacos

Ao toque do recolher
Tudo se foi deitar
A noite inteira passei
Com a minha terra a sonhar

Por dormir em cama estranha
Acordei de madrugada
Ouvindo o primeiro toque
Era o toque de Alvorada

Entra um cabo da caserna
Faz a todos por a pé
Para irmos tomar
Ao que chamaram café

Toda a malta à uma rompe
Em gargalhadas tamanhas
Por termos na nossa frente
Água de cozer castanhas




De novo mandam formar
Para seguir viagem
E a escola de Vila Franca
Ser a última paragem

Uma vez ali chegados
Para de vez ali ficar
Então começa a valer
A nossa vida militar

Começo por conhecer
O posto do Comandante
Quantos galões tem um cabo
E divisas um almirante

Naqueles primeiros dias
Ninguém estava instruído
Parava-se à voz de marchar
Marchava-se à voz de sentido

Os instrutores danados
Até nos mandavam à merda
Por virarmos para direita
Mandando virar para a esquerda




Era toques e mais toques
Formaturas sem cessar
Para obrigar a aprender
Toda a regra militar

Aos poucos se foi aprendendo
Tudo isto e muito mais
Que serviu unicamente
Para as paradas gerais

A manobrar aprendi
Vários engenhos de guerra
Para defender e atacar
Fosse no mar ou na terra

Atirar pedras ao gado
Era a minha profissão
Por isso fui especialista
Com as granadas de mão

Tinha tal desembaraço
E tão certa pontaria
Quando as largava da mão
Até o comandante fugia




Aprendi a fazer fogo
De toda e qualquer maneira
Com a espingarda Mouser
E a metralhadora ligeira

Com a pistola Parabellum
Por ser bom atirador
Ganho uma taça de barro
Peça de raro valor

Com as peças anti-aéreas
Fiz boa demonstração
Acertava aos aviões
Quando pousavam no chão

Com a bússola magnética
Eu aprendi a lidar
Estudar a rosa-dos-ventos
A arte de navegar

Medir os graus no Sextante
Ir do rumo à procura
E com sondas magnéticas
Medir do ar a fundura




Navegar e saber dar
Capacidade de resposta
A quantos nós se navega
E a quantas milhas da costa

Assim passei quatro meses
Na situação de recruta
Sendo por vezes maltratado
Por qualquer filho da puta

Com as mil peripécias passadas
O que fica para trás não conta
Foi um alívio para nós
O passar a praça pronta

No dia quinze de Abril
Eu e os meus companheiros
Fomos jurar bandeira
Ao Corpo de Marinheiros

Discursos e mais discursos
Com a instrução terminada
Nada ficou por dizer
E no Corpo há festa brava




Em formatura geral
Nos chamaram a atenção
Tendes uma farda vestida
Por ela tende presunção

Noutro capítulo diziam
- Escutai bem o que eu vos digo
Não receies dar a vida
Se a Pátria estiver em perigo

Ser marujo é ser eleito
Ser de todos o melhor
É ter Portugal no peito
Tornando-o sempre maior

É erguer a Pátria ao alto
Por esses mundos além
Correndo sempre ao assalto
Se for cobiça de alguém

Portugal Pátria querida
Terra de nossos avós
Por ela demos a vida
A vida de todos nós




Se a morte vos for calando
O bater do coração
É bela a morte lutando
Em defesa da nação

Terminadas as cerimónias
Como completo soldado
Sem outra resolução
Ali fiquei amarrado

O tempo ia passando
Mas fosse lá como fosse
Assim passei quatro meses
Marinheiro de água doce

Eram guardas sobre guardas
De reforços nem se fala
Mas eu vim para ser marinheiro
Ou vim para ser magala?

Fui consultar a Ordem
Quem gente estava a pedir
Está o Afonso Albuquerque
A preparar para sair




Fui pedir destacamento
E por sorte o meu pedido
Sem qualquer observação
Foi prontamente atendido

Destaco no mesmo dia
Na primeira embarcação
E do Afonso Albuquerque
Sou membro da guarnição

Com a resolução que tomei
De rumo a vida mudava
Deixei de ser de água doce
Para ser de água salgada

Dia primeiro de Outubro
Primeira vez a largar
Frente a S. Julião da Barra
A caminho do alto mar

Ansioso por conhecer
O mundo de Gama e Cabral
De Zarco e Gonçalo Velho
De Tristão e Corte Real




Visitar o nosso império
Cheio de beleza e de encantos
A rezar a ladaínha
Em nome de todos os santos

Dois dias foram passados
De tão penosa jornada
Que para dar a volta ao mundo
Não lhe faltou mesmo nada

Pela escuridão da noite
Viu-se o primeiro farol
Quando a terra se chegou
Já nela brilhava o sol

Foi a primeira paragem
Na ilha de Porto Santo
Terra pequena mas linda
Suas praias um encanto

Em frente fica a Madeira
Jóia de rara beleza
Grande centro turístico
Orgulho de ser Portuguesa




Pelos poetas foi baptizada
Pérola do Oceano
De clima suave e ameno
Nas quatro estações do ano

Nossa missão é andar
O caminho é para a frente
Por isso o barco nos leva
À ilha de S. Vicente

Terra de fome e miséria
Escrava por natureza
Por haver falta de chuva
Há miséria e não riqueza

Ó praia de serranias
Santo Antão ilha do Sal
Não deixo aqui de lembrar
As opressões do Tarrafal

Só quem por ali passou
É que pode avaliar
O rigor das fortalezas
Feitas para morar




Sepulturas de almas vivas
Denegridas pelo tempo
Nunca foram pelos ares
Quando o mar lhes entrava dentro

Penhascos de S. Nicolau
Do fogo da ilha Brava
Onde parece que a terra arde
Mesmo estando apagada

Os vendavais do deserto
Fazem nortadas na proa
Chega até nós a poeira
Da grande Serra Leoa

Costa do Ouro, Guiné
Terra de rara beleza
Jacarés e macacada
Herança da natureza

O Santo António do Zaire
Especial atenção nos merece
Vestido de florestas virgens
Vaidoso nos aparece




No vasto reino do Congo
Navegando o mar do café
É Cabinda a ensinar
O caminho de S. Tomé

A terra dos cacaueiros
E do mais que eu não sabia
Terra da linha do sol
Sem sombra ao meio dia

A linda ilha do Príncipe
Que dali pertinho fica
É um galã majestoso
Seu próprio nome indica

Com suas matas frondosas
Seu terreno muito rico
É uma janela enfeitada
Com vasos de manjerico

Luanda nobre cidade
De beleza tão natural
Por isso estás orgulhosa
De Angola seres capital




Um não acabar de cidades
E qual delas a mais bela
Mossâmedes, Nova Lisboa
Formosura de Benguela

Reino de raras riquezas
Do ouro e dos diamantes
Tens a Baía dos Tigres
E a Baía dos Elefantes

Dobrar a costa Africana
Novo sonho em nós havia
Era o roteiro das Índias
Que ao nossos olhos surgia

Sem retroceder no caminho
Dali seguimos em frente
Em busca de novas terras
À procura de nova gente

A estrada de Bartolomeu
Bem me ficou na lembrança
Pelo temporal que se apanhou
No Cabo da Boa Esperança




No cruzar dos oceanos
Com as águas revoltosas
Parecia o fim do mundo
Com as ondas tão estrondosas

Camões tinha razão
Em baptizar com terror
Esse reino misterioso
Do Gigante Adamastor

Foi ele quem nos alertou
No ponto do fim da terra
Viver um medonho gigante
Que aos marinheiros faz guerra

Oculto e desconhecido
Por tão longa soma de anos
Destruía aos marinheiros
Os seus arrojados planos

Um português corajoso
Cheio de saber profundo
Lembrou-se num dia feliz
Dar uma lição ao mundo




Bartolomeu Dias cheio
De saber e valentia
Desvenda o grande mistério
- De que gigante não havia!

Quanto mais o mar surgia
E soprava o furacão
Mais o barco caminhava
Cumprindo sua nobre missão

Para longe vá o agouro
Para trás o mal que fique
Para chegar na hora H
Ao canal de Moçambique

Por nada posso esquecer
O que agora vou contar
Náufragos em abandono
Ali ajudo a salvar

Na santa Bênção de Deus
Grande paquete navega
Com mil e cem pessoas a bordo
De lotação esgotada




Meteram um barco no fundo
Com intenção criminosa
Os meus olhos nunca viram
Tragédia tão horrorosa

Sem ter dó nem piedade
Em pouco mais de um segundo
Com um torpedo certeiro
Mete o paquete no fundo

Já tinha caído a noite
Na imensa escuridão
É o paquete alvejado
Por um submarino alemão

Foi tal a carnificina
Que aos céus e terra dei brado
Todo o mar daquela zona
Ficou de mortos coalhado

Fomos a Lourenço Marques
Os náufragos desembarcar
Dava pena vê-los
De joelhos a terra beijar




Lourenço Marques a primeira
Cidade a ser visitada
Sentimos a camaradagem
De outro barco que lá estava

Corri parte da cidade
Cheguei à conclusão
Não é fácil encontrar
Outra de tal dimensão

Lourenço Marques é lindo
E da Beira não se fala
Baía do Porto Amélia
Linda vila de Nacála

Em Mocímboa da Praia
Lá quase no fim da Terra
Fomos prestar homenagem
Aos mortos da Grande Guerra

Ali um padrão aponta
O caminho do Oriente
Que em breve nos vai levar
Às terras do Sol Nascente




Por terra o velho caminho
O sabia o mundo inteiro
Mas ir à Índia por mar
Foi Portugal o primeiro

Nas naus de Vasco da Gama
O valor da lusa gente
Riscou a estrada gigante
De Lisboa ao Oriente

Deixando a costa do ouro
Vamos para a costa do marfim
Navegando noite e dia
Pelos mares de Bombaim

Com temporal ou bonança
Foi um prazer recordar
As caravelas quinhentistas
Nas costas de Malabar

Depois de grande maçada
Dos dias de navegação
Foi um alívio para nós
A chegada a Mormugão




Tive ocasião para ver
Na passagem por Mombaça
Vários sinais a testar
O valor da nossa raça

Ó Índia das maravilhas
Das belezas orientais
Com fama em todo o mundo
Teus artigos regionais

O barco te faz lembrar
Portugal e sua lei
Sendo Afonso de Albuquerque
Teu primeiro vice-rei

Damão das tapeçarias
Das louças de porcelanas
Em toda a parte do mundo
O chá da Índia tem fama

Goa terra de nobreza
Com tão nobres catedrais
Por um Papa baptizada
Roma dos orientais




Linda ilha de Colombo
Do Oriente um primor
Vaidosa por ter o nome
Do grande navegador

Foi na cidade do Ceilão
Onde a malta mais gozou
De tudo o que era a pagar
A gente nada pagou

Nossas constantes paragens
Eram sol de pouca dura
Para admirar as belezas
De Pequim e Singapura

Hong Kong rica cidade
De fama contrabandista
És o balcão do comércio
Da produção elitista

Macau és sentinela
À porta de armas da China
Estás a marcar a presença
De Portugal que te anima




Por serem terras de encanto
Não podemos ficar ali
O barco já nos leva
Para cidade de Díli

É pequena, mas não conta
Não deixa de ter valor
Tem bandeira portuguesa
É capital de Timor

Ali termina a viagem
Coroada de grande sucesso
Para missão estar cumprida
Faltava agora o regresso

Regressar a Portugal
Era a aspiração maior
Estamos em tempo de guerra
Tudo a correr pelo pior

Para poder dali sair
Só com autorização
A qual nos foi concedida
Pelo governo do Japão




Traçaram-nos a rota
Em condição muito má
Pelo estreito de Magalhães
E o canal do Panamá

Sinto orgulho em ter andado
Onde andou o génio forte
Para a Pátria engrandecer
Foi ao encontro da morte

Foi Fernão de Magalhães
Que ao mundo deu de lição
Sua primeira viagem
De circum-navegação

Mostrou que a Terra é redonda
Partindo de certo lugar
Sem mudar de direcção
Ao mesmo sítio voltar

Uma noite tenebrosa
Pôs em jogo nossas vidas
Quando fomos atacados
Ao largo das Caraíbas




Dizendo que foi por engano
Por falta de visibilidade
Só por milagre não houve
Ali tanta mortandade

Nas costas americanas
Ao lado de outras nações
No mar centenas de barcos
No ar milhares de aviões

Por sermos terra neutra
Connosco ninguém topava
Reinava em nós o temor
De quando algum se enganava

Carregados de sobressaltos
Traçando nosso destino
Rumo da estrela polar
De Portugal o caminho

Só nos restava acalentar
Um pressentimento certo
Por cada dia que passava
Portugal ficava mais perto




Navegando de vento em popa
Até chegar aos Açores
Foi a primeira paragem
Na ilha das Flores

O Corvo tão pequenino
Mas de sangue lusitano
É um padrão sempre erguido
No meio do oceano

Terceira terra de amores
Camões baptizou-te assim
Teus habitantes são flores
Teu terreno é um jardim

Noutros tempos revoltosos
Ao mundo fizeste ver
Exemplo de lealdade
Ser portuguesa a valer

Ó Pico ilha dotada
Da graça que Deus te deu
Eternamente a apontar
Caminho para o céu




S. Miguel és a fartura
Dos ananases e bananas
Das muitas vacas leiteiras
E das belas açorianas

Foi da ilha de S. Jorge
Com paragem no Faial
Dada a última arrancada
Com destino a Portugal

À vista estava Lisboa
A viagem terminada
A barra de onde há tempos saía
Agora de novo entrava

Era um morrer de saudades
Pisar a Pátria mãe
Passar em frente dos Jerónimos
E da Torre de Belém

Saudades sem limites
À terra dar um abraço
Quando o barco atracou
Frente ao Terreiro do Paço




O barco está orgulhoso
Por esta grande proeza
Por mostrar ao mundo inteiro
A bandeira de Portugal

A viagem terminou
Nossa missão foi cumprida
Só nos resta recordar
Esta parcela da vida

De novo fui para o quartel
De rumo a vida mudar
Voltar à vida civil
Fim à vida militar

Receber o passaporte
Para vir para a minha terra
Vaidoso por ter servido
Nossa marinha de guerra



Fim
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Dizem que o mundo é grande
Tanto em água como em terreno
Eu confesso francamente
Que achei o mundo pequeno
















































































































































Alcino Augusto Carneiro, nascido em 1920, Transmontano de gema é uma memória viva da Segunda Guerra Mundial, vive em Podence, freguesia de Macedo de Cavaleiros.
Serviu a marinha de guerra portuguesa em plena 2ª Guerra Mundial, deixando-nos um testemunho histórico da sua viagem de circum-navegação ao serviço da armada portuguesa.
Homem simples de uma riqueza interior inigualável, com uma memória e lucidez de fazer inveja aos mais novos. Nos seus versos conseguimos viajar, na sua epopeia através dos mares do mundo, como se estivéssemos a viver o momento.



Quito Arantes










1 comentário:

  1. É com sentido pesar que me entristece saber que o amigo Alcino partiu para o reino dos Céus.
    As minhas condolências à família, apesar de tardias, soube a outra semana por um senhor de Macedo de Caleiros.

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